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                  CRUZEI O BRASIL DE SUL AO NORTE  
                   01-01-1987 
                    
                  Não  é minha intenção fazer um diário. Faço apenas um registro desordenado de fatos  presentes e passados, ideias e ocorrências   que incitam a minha imaginação e ajudam a vencer o ócio. 
                     
                   
                  Cruzei  o Brasil de sul a norte. Andei pelas planícies do Rio Grande. Junto à Lagoa dos  Patos, passei por Porto Alegre, andei por São Paulo e Rio de Janeiro,  “estiquei” até São Luís do Maranhão e acabei em Belém, para as festas  natalinas. 
                    Com os salários congelados e os preços com o ágio do Plano Cruzado II, valho-me  de cursos para reforçar a conta bancária, embora diárias e horas/aulas  estejam a preços humilhantes. Os professores  universitários vêm perdendo a cada reajuste, abaixo do próprio achatamento da  classe média em geral. Mas é sempre um grande prazer viajar, mesmo com a  perspectiva de ganhar pouco.  Afinal,  viajar por conta própria está proibitivo, sobretudo devido aos preços dos  hotéis e das comidas nos restaurantes. 
   
                    Rio Grande é uma cidade com certo gosto de fronteira, de porto, de antigo. O  super-porto trouxe algum florescimento econômico, mas a economia gaúcha andou  recessionária durante o governo medíocre do governador Jair Soares (foi o que  ouvi aqui...) um dos remanescentes  do  PDS ortodoxo.  
                    Com a crise do boi gordo, nem o churrasco anima o orgulho gaúcho. 
                     
                    Gostei mesmo foi voltar a São José do Norte para rever as dunas, após a  travessia de barco. Conheci a legendária praia do Cassino — a mais extensa do  Brasil, com suas areias duras e dunas que se espraiam e estendem até os confins  do Uruguai. 
                    A praia deve ser muito gelada no inv 
                    erno. Ofereceram-me uma recepção em uma  típica mansão (moderna) da região, um misto de chalé de praia e estufa de  inverno ao estilo das montanhas.  
   
                    De Porto Alegre desci (ou subi?) para São Paulo e Rio de Janeiro, em missão  oficial, acabando no Maranhão, agora em euforia por causa dos empreendimentos  ligados à ferrovia de Carajás e ao orgulho de ter um presidente da terra. 
                    À praia de Olhos d´Água, antes tão erma e sossegada, agora ostenta mansões de  prédios e em breve chega até lá uma estrada margeando o oceano, dando à orla  maranhense um aspecto mais urbano ou sulista...  
                    O que continua igual no (meu estado de origem) é a corrupção... Igual na  essência do empreguismo do favoritismo político, no nepotismo descarado, nas  negociatas entre correligionários partidários mas exacerbado com o volume de  dinheiro circulante desde a instalação de indústrias siderúrgicas e o porto de  Calhau.  
                     
                    A família Sarney — a família “imperial” na boca maldita dos oposicionistas —  tomou conta de tudo, com seus cabos eleitorais e aliados. O presidente Sarney  tem a sua mansão — fortaleza na praia do Calhau, com antenas parabólicas para  captar mensagens via satélite e programas de TV do Exterior, cercado de  muralhas feudais.  
   
                    A imagem de Papai Noel com bigodes de cantor de boleros que ele ostenta a nível  nacional, populista e erudito, simpático e tímido, contrasta com a sua versão  telúrica de político ambicioso, defensor de seus currais eleitorais, de suas  múltiplas propriedades, zeloso de seus espaços de poder, em luta contra as  outras famílias que aspiram o domínio maranhense. Antes com a clã do Vitorino  Freire, agora com João Castelo. Mas, do alto da Presidência da República,  perspectivas de vitória para ele, seus parentes e amigos, são onipotentes.  
                     
                    Um passeio de barco a vela pelas águas da bahia de São Marco dá a oportunidade  de ver os progressos materiais ao longo da costa da ilha ludovicense, além de  presenciar o espetáculo sempre intrigante das cheias e vazantes que  impressionam pelas subidas e descidas de marés.  
                    
                  Praia de São  Marco  
                   
                 
                  O  voo para Belém revela quanto São Luís e a região se urbanizam! 
                    A velha cidade belenense agora ostenta grande número de altos condomínios de  luxo, como reflexo da nova opulência (antes a borracha, agora o ouro de Serra  Pelada, os minerais de Serra dos Carajás e a eletricidade de Tucuruí que atrai  indústrias de alumínio e de produtos regionais). Uma elite rica se instala, com  gente do sul e de outros países, com novos bairros ricos e mais palafitas nos  alagados dos miseráveis. O governo de Jader Barbalho beneficiou a especulação  imobiliária, fez renascer o orgulho regional, tem a sua face de democratização  e seus bastidores de corrupção, em meio à violência incomum pelos conflitos de  terra, do contrabando e do tráfego de drogas.  
                     
                    Mosqueiro, a ilha balneária das construções do início do século, de madeira e  lambrequins, em estilo francês, vê-se invadida por uma febre de novas e  modernosas construções. E para os mais pobres, resta apenas a opção das praias  de Outeiro para onde o governador Barbalho estendeu uma estrada e uma imponente  ponte.  
                     
                   
                  Que ficou extasiado com os  sobradões azulejados, com o Teatro da Paz e os animais do Museu Goeldi, com as  árvores gigantescas do Bosque Rodrigues Alves, com tanto sorvete de açaí, de  cupuaçu, de tapioca e bacaba, de taperobá e de murici, doces de bacuri e  castanha do Pará, pratos exóticos de maniçoba, pato no tucupi, tacacá e  peixadas com camarão, foi Jerry Adriano que se encontrou comigo lá para  disfrutar do fim do passeio. 
                   
Gente festeira a paraense! Havia muito pretexto para fanfarras e desfiles,  corsos pré-carnavalescos e festas caseiras nos   10 dias que por lá  andamos, por  campanhas arrecadadoras de fundos para as crianças, anúncios  de “réveillon”, dia de Natal (com luma  fanfarra de instrumentos de metal, em desfile pelas ruas da cidade, com  centenas de acompanhantes), festas de 15 anos, de aniversários, de  confraternização, etc.  Sambas e  carimbós, rock nacional e funks  gringos,  musicas do Roberto Carlos e boleros alcoviteiros eram recursos para criar o  clima de festa ao gosto do povo “marajoara”.  
Dias memoráveis, hospitaleiros, festejantes... 
 
                
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